sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A Criação - Como Salvar a Vida na Terra

José Eduardo Mendonça

"É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio"
Carlos Drummond de Andrade, A Flor e a Náusea

Quando eu era menino, o interesse pela natureza era algo perfeitamente óbvio –  tínhamos quintais, e neles formigas, minhocas, lesmas, borboletas, vagalumes, joaninhas e plantas, muitas plantas. Isso numa casa típica, nos anos 1950, pertinho do centro da cidade. Aprendíamos a proteger e a conservar a natureza, assim como a promover diversos experimentos com ela, como plantar tomates ou ficar olhando seres minúsculos em microscópios. A natureza era, antes de mais nada, uma fonte de inesgotável curiosidade e encantamento – e livros, como os de Rudyard Kipling, que escreveu a história de Mogli, o menino-lobo; Monteiro Lobato, com todas as traquinagens de crianças em um sítio, ou a série dos escoteiros em férias em diversos locais do país, de Francisco de Barros Júnior, só faziam aguçar este interesse.

Os quintais, hoje, são raros em uma cidade grande e a diversidade biológica deles encolheu enormemente. Os livros citados ainda existem, em sebos, mas ninguém mais os procura e não fazem parte do currículo escolar. E isso vale para todo o mundo, onde a cultura que prevaleceu foi a de “conquistar” a natureza e de nos mantermos afastados dos “bichinhos” e do “mato”, que passaram a ser ameaça para crianças que crescem atualmente em ambientes murados e protegidos. Então, como fazer para respeitar coisas que conhecemos apenas de segunda mão, através de documentários e caros livros de mesa de centro? De fato, como preservar aquilo que não faz mais parte de nosso cotidiano e de nosso estilo de vida, e considerado pela maioria como algo que existe, em algum lugar, mas não nos diz respeito?

Edward O. Wilson, um dos mais importantes biólogos do mundo, que passou a infância e a adolescência no então exuberante sul dos Estados Unidos, onde iniciou seus estudos sobre aquilo que se tornaria uma paixão e uma grande contribuição ao saber – as formigas –, tem uma chave. Ao descrever sobre a biologia como se contasse uma história, coalhada de curiosidades e de um ardor quase juvenil, ele nos aproxima do encantamento, num divertido passeio pela diversidade, pelo que ela representa e, num tom mais circunspecto, como a ameaçamos e como podemos colaborar para deter a destruição. A chave é a educação.

A forma como ele escreveu seu livro é, ela mesma, um fator de condução da leitura – uma longa carta, dividida em capítulos, a um pastor não nomeado, que interpreta literalmente a Sagrada Escritura cristã e, portanto, rejeita a ciência quando ela trata da evolução das espécies. “Sou um humanista secular”, diz ele. “Creio que a existência é aquilo que nós fazemos dela, como indivíduos. Não há garantia de vida após a morte, e céu e inferno são o que criamos para nós mesmos, aqui neste planeta”. Ele apela ao pastor para que haja um terreno comum entre ciência e religião na questão da conservação biológica. Obviamente, o apelo remete diretamente à cultura dos Estados Unidos, nas quais muitas escolas insistem em ignorar tudo que Charles Darwin revelou, ajudando a alienar milhões de pessoas da natureza por não conseguir perceber o valor que só é possível perceber através do modo mesmo que Darwin postulou – o método científico.

“Não é possível dar uma ideia adequada dos sentimentos superiores de deslumbramento, admiração e devoção que inundam e elevam a mente”. Quem escreveu isso não foi um pastor em êxtase com sua leitura do mundo, mas o próprio Darwin, em 1832, boquiaberto diante da beleza da floresta tropical brasileira. Wilson diz conhecer, no início de sua longa carta, os argumentos religiosos em favor da Criação. Mas quer exibir os seus, o que passa a fazer num relato fascinante do que a vida de cientista lhe revelou.

O caleidoscópio planetário ruma para o humanizado, o simplificado, o instável, diz Wilson. Mas temos de lembrar que há inúmeras microáreas naturais, e que um matinho brota resistente em meio ao concreto de um estacionamento. As criaturas minúsculas que se multiplicam em ambiente de recursos tão minguados, como ácaros, vermes e lagartas, são um último “bastião de resistência”, a “vanguarda da inevitável volta do planeta Terra para o verde e para o azul” – num retorno que se dará com a cooperação inteligente do homem ou após sua extinção pela ignorância e o descaso, mas que se dará.

Wilson nos conta que deve haver na Terra cerca de mil trilhões de formigas, e que elas pesam aproximadamente o mesmo que todos os 6.5 bilhões de seres humanos que habitam o planeta. “As pessoas precisam dos insetos para sobreviver, mas os insetos não precisam de nós”. E se toda a humanidade desaparecesse, não teríamos a extinção de uma única espécie de inseto, à exceção de três formas de piolhos que se aninham na cabeça e no corpo humano. Mas nós não vamos perecer em tal companhia, vamos?

O autor dedica alguns capítulos a educadores, sobre como ensinar a criação. Todos os conservacionistas com os quais discute, diz, concordam que a indiferença geral das pessoas em relação ao mundo vivo “resulta do fracasso do ensino introdutório da biologia”. Então, mãos à obra!

Saia de casa para observar a natureza e leve a família. Leia livros interessantes como este e ensine a seus filhos o que ele lhe ensinou. Informe-se se o currículo escolar de seus filhos dá atenção necessária e adequada à diversidade. Ficar em casa vendo pela televisão um urso branco sobre um pedaço de gelo pode ser um alerta de pessoas e grupos comprometidos, mas convenhamos, não vai servir para muita coisa.

Um comentário:

  1. O livro de José Eduardo Mendonça destaca o quanto fomos criados longe da natureza e o quão importante ela é, ressaltando o fato de que devemos refazer esse vínculo com ela.

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